Há muitos homens que não entendem muito sobre o mundo dos carros. Alguns, ao serem questionados sobre o nome de uma peça ou o modelo de um automóvel, tornam o desconhecimento evidente. Porém, há um modelo que dificilmente alguém desconhece no Brasil: o Fusca.
Queridinho de motoristas durante muitos anos, o veículo montado pela Volkswagen completa 60 anos do lançamento em território tupiniquim com todas as peças nacionais.
O modelo, que já rodava na Alemanha desde a década de 1930, teve seu primeiro exemplar por aqui em 1959, durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961).
O Beetle, Maggiolino, Escarabajo, ou simplesmente Fusca, tornou-se símbolo cultural, popularizou-se por todo o território brasileiro, e resistiu às investidas dos concorrentes durante décadas. Para chegar a esse ponto, foi favorecido pelo incentivo dado à industrialização, medida planejada pelo governo de Kubitschek.
FUSCA NO BRASIL
O Fusca começou a ser vendido no Brasil em 1950. O carro vinha desmontado da Alemanha e não era montado pela Volkswagen, que ainda não havia se instalado no Brasil. A empresa responsável pela montagem era a Brasmotor. O modelo importado para o Brasil tinha o vidro traseiro dividido em dois.
No ano de 1953 o Fusca deixou de ser montado pela Brasmotor e a Volkswagen assumiu a montagem do carro no Brasil, com peças vindas da Alemanha. O modelo produzido já era o que tinha janela traseira única, oval.
No dia 3 de janeiro de 1959, foi iniciada a produção do Volkswagen Fusca no Brasil, sendo fabricado com peças nacionais em um galpão alugado no bairro do Ipiranga, em São Paulo. A falta de fornecedores de peças fez a Volkswagen sofrer para conseguir atingir o grau de nacionalização de 54% previsto em Lei.
Em 1965 foi o lançado o modelo com teto-solar, que ficou conhecido como “Cornowagen”. Logo o acessório foi rejeitado e muitos proprietários, incomodados com o apelido mandaram fechar o teto. Mudou também as lanternas e a luz de placa.
Em 1967, o Fusca adotou um motor de 1.300 cc. O vidro traseiro ficou maior e o acionamento da seta foi para a coluna de direção. Foi também o fim do sistema elétrico de 6 volts para a chegada do de 12V.
O novo motor 1500 de 52cv chegou em 1970. Tivemos mudanças na tampa do motor, tampa do porta-malas e para-choques.
O Fusca 1600-S chega em 1975 com carburação dupla e 65 cv, volante de direção esportiva de três raios, rodas aro 14 e painel com marcador de temperatura e relógio.
Em 1984 o motor 1300 deixou de ser produzido. Agora passa a equipá-lo o novo motor 1600, mais moderno, e o carro passa a contar também com freios a disco na dianteira, mais eficientes. A lanterna modelo Fafá passou a ser padrão para todos os modelos.
No ano de 1986 a Volkswagen parou de fabricar o Fusca, alegando que era um modelo muito obsoleto, apesar de ser o segundo carro mais vendido daquela época, atrás apenas do Chevrolet Monza.
Em 1993 a empresa voltou a fabricar o modelo. Foi aprovada, então a Lei do carro popular, que previa isenções e diminuições de impostos para os carros com motor 1.0, e o Fusca e o Chevrolet Chevette L, embora tivessem motores de 1.6l, foram incluídos. O carro vendeu bem, mas longe da meta esperada pela Volkswagen. Em 1996, a empresa deixou de produzir novamente o carro, com uma série especial denominada Série Ouro. A partir daí, ele só seria produzido no México. Nesse período, foram produzidos no Brasil cerca de 42.000 exemplares.
RAÍZES GERMÂNICAS
uito antes de chegar ao Brasil, o Fusca já havia se tornado popular a mais de nove mil quilômetros daqui. Na Alemanha, em 1935, o projetista Ferdinand Porsche liderou o modelo que seria popular no país europeu e, depois, no Brasil. A encomenda do carro havia sido feita por Adolf Hitler, líder da Alemanha Nazista. Como o país vivia um momento de instabilidade econômica e, por consequência, uma queda no potencial de consumo da população, Hitler queria um carro “acessível a todos”.
O Fusca, com o tempo, foi se tornando popular na Alemanha, mas sofreu um abalo em sua produção devido à Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Após o fim dos conflitos bélicos, a Economia voltou a se estruturar e o carro da Volkswagen chegou ao milionésimo modelo produzido no ano de 1955.
FUSCA À MODA BRASILEIRA
om o aumento da produção do Fusca na Europa, o modelo não demorou para também construir suas raízes em outros territórios. Aqui na América do Sul, mais especificamente no Brasil, o fusquinha prosperou principalmente devido à política desenvolvimentista vigente no país.
O veículo já era montado no Brasil desde o começa da década de 1950, porém, a Volkswagen ainda utilizava peças importadas na composição do automóvel. Com a decisão de desenvolver a indústria nacional e a abertura para o capital internacional, Juscelino Kubitschek, presidente na época, beneficiou as montadoras, inclusive a alemã, dona do “Beetle”. A Volkswagen estabeleceu-se em São Bernardo do Campo (SP) e, em 1959, fez com que as primeiras unidades do Fusca nacional saíssem da fábrica.
Logo no primeiro ano do lançamento do produto “100% nacional”, o Fusca já fez muito sucesso. Até 1982, o automóvel da Volks foi um dos mais vendidos do país, um dos principais destaques do mercado automobilístico e figura cativa na paisagem das cidades. Em 1986, o Fusca parou de ser produzido e só voltou a ser fabricado em 1993, a pedido do então presidente Itamar Franco.
Apesar de todo seu charme e história, três anos depois o fusquinha voltou a sair de cena – pelo menos nas fábricas, já que nas cidades eles continuaram colorindo as ruas por muito tempo. O Fusca tinha sua imagem vendida na mídia como um carro feito para a família. E isso, claro, também chegou até as produções culturais televisivas. O modelo da Volkswagen marcou presença muitas vezes em novelas e foi tema de músicas nas últimas décadas do século 20 e começo do 21.
UMA NOVA IDEIA
A montadora alemã dona do Fusca voltou a apostar em seu carro consagrado e o relançou como modelo 2012. Com mudanças bem perceptíveis no visual e em algumas funções, o veículo foi mais uma tentativa da Volks em popularizar o carro queridinho do Brasil nas ruas do país. Porém, após um número bem mais limitado de vendas em comparação com cenários anteriores, a empresa decidiu pôr fim à investida em 2018, quando anunciou que a partir deste ano o “novo Fusca” não deve continuar sendo produzido.
Atualmente, o bom e velho fusquinha não figura mais entre os carros mais vendidos e nem mesmo protagoniza propagandas na televisão. Seu nome, no entanto, é lembrado sempre que fala-se de carros clássicos ou modelos famosos. Alguns, inclusive, já desfilam pelas ruas com placas pretas – destinadas a carros antigos que possuem características originais.
O modelo, que um dia foi o mais vendido do Brasil, hoje em dia está no imaginário dos amantes de automóveis e na garagem de quem ainda preserva seu precioso tesouro. Resiliente ao tempo e com visual despojado, o Fusca completa neste ano 60 primaveras de seu lançamento no Brasil. Sua história ainda será lembrada muitas vezes, já que faz tempo que esse carrinho rechonchudo entrou para a história.
Curiosidades sobre o Fusca
- Quando chegou no Brasil, o Fusca na verdade se chamava Volkswagen Sedan. Pequeno, com motor traseiro refrigerado a ar e um desenho completamente diferente dos carros de sua época, o modelo tinha capacidade para transportar até cinco pessoas, com baixo consumo de combustível e alta resistência mecânica.
- No dia 3 de janeiro de 1959 nascia o primeiro Fusca com 54% de peças nacionais. Fabricado na unidade de São Bernardo do Campo da Volkswagen, o primogênito foi vendido por Cr$ 471.200 no dia 7 de janeiro ao empresário paulistano Eduardo Andrea Matarazzo, filho do conde Francisco Matarazzo Júnior – admirador de automóveis e aviões.
- A propaganda na época mostrava que o Fusca era realmente um carro diferente. Seus principais aperfeiçoamentos eram a barra estabilizadora no eixo dianteiro, cubo do volante abaixado, trincos nas portas acionados por botões de pressão, barra de torção traseira mais elástica e eficiente, para-sol estofado com espuma de borracha e descanso inclinado para os pés do passageiro.
- Com forte presença de marketing, o modelo com o passar dos anos foi abandonando as campanhas publicitárias de suas capacidades técnicas e substituindo pelo conceito de 80% de imagem, na parte de cima, e 20% de texto, na parte de baixo. Sempre com uma pitada de ironia. Uma das peças publicitárias dizia: “Lave e use”, dando uma mensagem clara que o produto era simples e confiável.
- O modelo passou por 1.027 mudanças estéticas e mecânicas entre os anos de 1950 à 1960. Uma das mais memoráveis foi a chegada com o vidro traseiro dividido em duas partes. Esse vidro ganhou o apelido no mundo de “split window”. Depois, em 1953, o Fusca trazia vidro traseiro em formato oval e inteiriço. Só em 1959 que o ele passou a ter um vidro traseiro com formato retangular.
- O Fusca tinha nomes diferentes em mais de 40 países por conta de seu desenho inovador. Entre eles, os mais conhecidos são o Beetle (Inglaterra e Estados Unidos), Käfer (Alemanha), Maggiolino (Itália), Vocho (México), Coccinelle (França), Escarabajo (Espanha) e Bug (Estados Unidos). Aqui no Brasil, o modelo foi oficialmente batizado em 1983 e ganhou junto os apelidos de Fuca, Fuqui ou Fusquinha.
- O pequeno modelo fez parte da história da capital do Brasil, pois em 1960, data de inauguração de Brasília, o Fusca era um dos principais veículos disponíveis para táxi. Eram chamados de táxis-mirins. Em 1966, já havia cerca de 350 táxis Fusca rodando pelas ruas da capital federal. Um dos fatores que ajudaram a proliferação do modelo foi seu desempenho. Há relatos de táxi Fusca com mais de 530.000 quilômetros rodados, sem retífica do motor. Era necessário apenas seguir o plano de manutenção e troca de óleo.
- Por muito tempo o Fusca ocupou o primeiro lugar no pódio dos veículos mais vendidos do Brasil. Com 3,1 milhões de unidade comercializadas, o simpático carro só foi batido pelo VW Gol. Em apenas três anos de produção nacional, em 1962, o Fusca já era líder de vendas e de mercado. Em julho de 1967, a empresa já comemorava 500 mil unidades produzidas no País. Em julho de 1970, chegava ao seu “primeiro milhão”. O auge do Fusca no Brasil foi entre 1972 e 1974. Em 1972, foram comercializadas 223.453 unidades no mercado interno, mais 6.142 exportadas. Em 1974, o recorde: 237.323 unidades produzidas, incluindo exportações.
- O motor do Fusca chegou a lugares nunca imaginados por seus criadores. Em 1985, a Volkswagen vendeu cerca de 5.000 motores de Fusca para quase 70 empresas em diferentes ramos de aplicações, que ia desde empilhadeiras, máquinas de varrer ruas, ultra-leves, girocópteros, veículos anfíbios até barcos.
- Em 1986, quando o Fusca parou de ser fabricado pela primeira vez, apenas 33.568 unidades chegaram às ruas. Porém, em 1993, a pedido do então presidente da República, Itamar Franco, o carro voltou a ser produzido, em uma versão movida exclusivamente a etanol. O fim da fabricação ocorreu em 1996. Daí surgiu outro apelido: “Fusca Itamar”. Apesar disso, o modelo continuou a ser fabricado no México – onde é conhecido como “Vocho” – até julho de 2003.
- Seu papel do mundo automotivo foi tão grande, que o Fusca ganhou seu próprio dia no calendário mundial. O dia internacional do Fusca é comemorado no dia 22 de junho, data em que o Prof. Dr. Ferdinand Porsche assinou o contrato que deu início ao desenvolvimento e fabricação do Sedan, em 1934. Mas aqui no Brasil a data de comemoração nacional é no dia 20 de janeiro, pois foi quando se realizou um evento em parceria da Volkswagen com o então Sedan Clube do Brasil, para a realização do “1° Encontro Nacional dos Fuscas”, em São Paulo.