O mundo não tem nada a ver com a imagem na frente do meu espelho. Enquanto desenho minha barba, penso como a vida bordou meu caminho com uma agulha fina, quase invisível, pouco indolor. A maturidade bate à porta.
Analiso minha barba e o rumo que a vida tomou. Olho fundo nos meus próprios olhos e começo a lembrar da infância, da adolescência, do começo da faculdade. Como eu mudei. Consigo lembrar cada dia triste da infância, cada vez que quem fazia o gol era eu. Joguei muita bola de rua, sempre fui horrível, mas tinha meus dias. Agora ligo isso com a vida, com o hoje. Tudo se trata de uma coisa só: sempre vai haver o dia do gol; gol contra e a favor, inclusive golaços.
Lembro das batidas de carro em que estive; fortes e fracas. Lembro de mulheres boas e más. Dessas que podem e certamente irão mudar o mundo e dessas que jamais conseguirão liberdade de verdade, apenas porque suas asas estão pesadas com rancor e angústia.
Os pelos do queixo caem e penso em um mundo diferente. Fico tentando ligar algumas peças para, sem utopia, ter esperança. Busco argumentos racionais. Conseguir chegar na roda do bar e dizer: ‘Ser humano tem jeito.’ Sou passional com a nossa raça, não consigo ser o contrário. Como a tecnologia nos altera? Qual é nosso rumo?
Nessas divagações o que encontro é óbvio, por isso, interessantíssimo: somos a única geração da humanidade que pegou o pré e o pós-internet. Sabemos como se davam/dão as relações antes dela e temos alguma desconfiança de como pode ser nosso futuro. As minhas suspeitas são boas. Desconfio que algo revolucionário – na maior intensidade dessa palavra – está para acontecer.
Não é difícil perceber que o volume das vozes está se igualando, que o discurso do João vendedor de hotdog pode ter o mesmo impacto que muitos formadores de opinião. Nunca na história do homo sapiens os que vivem à margem do dinheiro e do sucesso tiveram essa força. E o melhor de tudo: é sem volta. Como dizem os ninjas: ‘deixamos de ser dominados por mídias de massa e entramos numa era com massa de mídia.’
Dentro dessa evolução; com voz pra todos, quero montar minha cama. Quero dormir fazendo parte da geração que equilibrou a comunicação da humanidade. Em que toda voz terá potencial de grito. Nessas horas, diante de um vislumbre tão bonito e grande, sentir-se adulto tem seu peso. Enxergar mudanças possíveis e não fazer nada para que elas realmente aconteçam seria de uma covardia imensa.
As consequências por cada escolha são fortes, são muitas. O fato é que encontrei meu trabalho, minha poesia, descobri a importância de um passo por dia. Quando essa barba que cai na pia for branca, eu precisarei, será meu dever bater no peito e me perguntar: ‘Fiz ou deixei de fazer? Fui um eterno buscador de atalhos ou acreditei no suor de um trabalho verdadeiro?’. Para prever as respostas só tem um jeito: ação.
A vida pra levar nos faz deparar com fralda, lauda e antiga amizade. Má educação de gente, morar onde não tem enchente e a próxima mensalidade. É assim que é. Amadurecer é deixar de acusar, de culpar o tudo e todos. É duro chamar a responsabilidade para si e entender, de imediato, o peso de cada escolha. Há de se bater muita cabeça, de sofrer. Só meus travesseiros sabem a cor dos dias de dor; mas eles também sabem o peso que tiro da cabeça quando decido: vou ser a mudança que quero ver no mundo.
Isso é pra que você não esqueça, escritor, que teu lugar é a palavra, nunca o ego. É a revolução, nunca o ódio. É a mensagem, nunca a forma. Tá no teu braço e na tua alma: ‘eu já me senti livre, hoje quero é sentir que eu livro’. Não perca o foco e a crença: que a vida rima pra quem rema. Que o olho no olho é sua verdade. Que tudo começa por dentro, no pensamento divagado enquanto caem mais fios do seu – sempre presente – bigode.
Não se esqueça, a vida esta aí e você já é um homem barbado.