Assim disse os Mamonas Assassinas:
“Sabão Crá crá, Sabão Crá Crá
Não deixe os cabelos do saco enrolá
Sabão Cré cré, Sabão Cre cré
Não deixe os cabelos do saco em pé
Sabão Cri cri, Sabão Cri cri
Não deixe os cabelos do saco caí
Sabão Cró cró, Sabão Cró cró
Não deixe os cabelos do saco dá nó
Sabão Cru cru, Sabão Cru cru
Não deixe os cabelos do saco….. Enrola com os do…..”
Eu duvido que você não tenha lido este pedaço incomensurável da poesia brasileira e imediatamente aquele espírito do adolescente merdeiro dos anos 90/2000 não tenha de súbito tomado-lhe a mente. E isso só um jeito pomposo de dizer que os Mamonas Assassinas, mesmo depois de 20 e tantos anos, continuam firmes e fortes na zoação como nenhum outro gênio tem sido capaz hoje em dia.
Sim, você já terminou sua faculdade já tem alguns anos, está com sua carreira profissional bem direcionada, e ainda dá umas risadas desmedidas ao lembrar de alguns dos clássicos do único cd da banda. Foi uma trajetória incrível, e que se estivessem por aqui hoje em dia, certamente já teria se encerrado depois do 10º disco. Palavras do próprio guitarrista, não minhas.
Recordar é viver, e no caso dos Mamonas Assassinas sempre é legal, como você vai ver adiante. Assim como muitos de nós fomos e outros ainda hão de ser, a banda começou como uma forma de colocar sua forma de expressão para fora.
Mamonas Assassinas, ou Utopia? Os primórdios da banda
Olha, a história dos Mamonas Assassinas, os malucos mais amados do Brasil segundo a mídia, teria sido a mesma de muitas bandas de garagem que tocam mais por lazer se eles tivessem se mantido com o nome Utopia. Era a virada dos anos 80 para os anos 90, e enquanto o rock brasileiro misturava suas referências nacionais com o que vinha de fora, outras bandas simplesmente abraçavam o que tinha daquela época e se colocavam à prova.
Assim foi o Utopia, formado inicialmente pelos irmãos Samuel e Sérgio Reoli, e Bento Hinoto, respectivamente o baixista, o baterista e o guitarrista do que viriam a ser o Mamonas. No começo, os três se apresentavam apenas em Guarulhos, sua cidade natal, fazendo covers de outras bandas da época, de Ultraje a Rigor até Legião Urbana.
Em 1990, durante um show, a plateia pediu um cover do Guns n” Roses, e os membros do Utopia, sem saber a letra, pediram a ajuda de um rapaz na plateia para tornar o momento menos constrangedor. E assim eles conheceram Alecsander Alves, ou só Dinho como todo mundo conhece.
O que seria um constrangimento virou uma verdadeira catarse, ou um prólogo do que viria a ser o mamonas assassinas. Dinho permaneceu como o vocalista do Utopia, e com ele veio Júlio Rasec nos teclados.
E assim o Utopia foi seguindo, com seus covers, e pouco a pouco fazendo paródias despreocupadas de músicas de outras bandas, que faziam mais sucesso que suas próprias canções. Aliás, para quem se desanima com a pouca repercussão de sua banda, saiba que o primeiro disco do Utopia vendeu menos de 100 cópias até começarem a ver um horizonte.
EMI e Rick “Creuzebek”
Como todo bom momento de uma banda naquela época, existia um grande sonho de conseguir um bom contrato e viver da música que faziam. E eles tentaram: gravaram 3 músicas, e mandaram para vários estúdios, incluindo a EMI. Ali havia um diferencial que mudaria pra sempre a trajetória da banda.
João Augusto Soares, diretor artístico da EMI na época, ouviu a fita cassete que continham as músicas “Jumento Celestino”, “Pelados em Santos” e “Robocop Gay”, a pedido de seu filho, que além de músico também era amigo da banda.
Impressionado, o diretor chamou a banda e enfim fecharam contrato, com o disco saindo em 23 de Junho de 1995. Mas antes, tem um ponto-chave aí, já que apesar das zoeiras, eles ainda eram os rebeldes membros da Utopia.
Durante um show em sua cidade natal, a banda conheceu um dos produtores da EMI, Rick Bonadio, frequentemente citado como o Creuzebek em várias das faixas da banda. Aliás, “Creuzebek” era a forma com que Dinho dizia “playback”, e o apelido ficou. Foi Rick que sugeriu que os rapazes seguissem no caminho da paródia, e depois de fecharem contrato com a EMI, também trabalhou como produtor em seu álbum.
O Sucesso e o Faustão
Bem, o resto talvez você já saiba. O álbum “Mamonas Assassinas”, que seria um nome reduzido para “Mamonas Assassinas do Espaço”, vendeu que nem água (vamos deixar todos os números no final para você ver o tamanho que foram os Mamonas em 1995 e 1996), os cachês de seus shows eram um dos mais caros do país, e suas aparições na tv dos anos 90 aos domingos davam picos de audiência.
O impacto dos mamonas assassinas foi tão grande nessa época, que corriam boatos de que a Globo tentou fechar um contrato de exclusividade milionário com a banda, para aparecerem APENAS no Programa do Faustão. O contrato seria de uns bons anos, e olhando hoje em dia, parece até loucura, né?
Na verdade nem tanto, jovem barbudo. Pense que, em meados dos anos 90 de um Brasil pós-loucura com o Collor, televisão aberta era um dos meios de diversão e informação mais comuns. O videogame ainda era um artigo de luxo, não se tinha ideia do que era a internet de fato, e o uso da tv era disputado a tapas pela família.
Não era por acaso que os Mamonas Assassinas batiam recordes de audiência – dá pra dizer que aquela banda servia como um meio muito curioso de “conciliação” nas casas brasileiras.
Teatralidade, musicalidade e referências
Se tem um único gênero que dá para encaixar o Mamonas Assassinas além do rock é na zueira. Os mais ranzinzas talvez façam bico para os temas de algumas de suas epopéias, ou só achem que os caras não cresceram tanto. Mas se até hoje elas são engraçadas, e por incrível que pareça não ofendem alguém de verdade, talvez é porque exista um humor de verdade ali…
Enfim, não vamos entrar nesse ponto. Independente do que você acha sobre as músicas dos mamonas assassinas, uma coisa é bem clara: o que não faltam ali são referências, de todos os tipos e gostos. Isso tudo sempre regado a uma parte teatral que, pode ser loucura minha, grupos de humor tentaram repetir nos anos seguintes e falharam miseravelmente.
Entre um tanto de teatro, zoeira e homenagens aqui e ali que te passam despercebidas, vamos dar uma pequena lista separada por algumas das faixas. É coisa pra caramba, então que tal você mesmo ouvir todo o álbum e exercitar esse lado cultural?
1406
Meio mórbido, mas aqui tem um trecho falando dessa relação dos Mamonas e aviões: “Você não sabe como parte um coração/Ver seu filhinho chorando querendo ter um avião”. Deixando isso de lado, aqui já tem um bom desabafo que garanto que muitos hoje tem igual com o dia a dia.
Vira-Vira
Aquela singela homenagem a Roberto Leal e sua dancinha nada vergonhosa, a própria cultura portuguesa, e a uma piada do Costinha que o faria ir para a guilhotina, era impressionante como ela passava pelo crivo “moral e bons costumes” quando tocada em plena tarde de domingo com sua vovó. Ah, e o Roberto Leal ficou amigo deles quando viu a homenagem.
Pelados em Santos
Foi a terceira música mais tocada do Brasil em 1995, e é o maior hit dos Mamonas Assassinas até hoje. Aqui, não só a música Crocodile Rock, do Elton John, foi eternizada, abrasileirada e desconstruída completamente, como alguns ícones da banda ficaram marcados pra sempre no imaginário popular. A brasília amarela, a família amontoada no carro, e a imagem da capa do disco, que até hoje aterroriza mães ortodoxas com um belo par da anatomia feminina.
Chopis Sentis
Quem nunca se sentiu na pele do protagonista desta letra? Tá certo que hoje em dia crediário é algo ultrapassado, mas juntar uma grana pra curtir o fim de semana ou um passeio é realidade até hoje. E vamos ser sinceros, também: Should I stay or Should I Go do The Clash fica bem melhor com as referências da nossa terrinha.
Jumento Celestino
Foi uma das faixas que abriu as portas do Mamonas Assassinas para a EMI, e uma singela homenagem aos amigos de uma terra que nem “Lamento Sertanejo” fez de uma forma tão poética. Ah, e como não poderia deixar de ser, o começo da música também é uma homenagem a faixa “Rock do Jegue”, de Genival Lacerda.
Sabão Crá Crá
Viu como começamos o texto, não é? Não precisamos falar mais nada aqui. Pegue a letra, cante junto com o seu filho ou sobrinho, e sorria com os olhares constrangidos daqueles próximos.
Robocop Gay
Mais do que tiradinhas bem lembradas até hoje, a música é uma homenagem a um antigo personagem do Jô Soares, o Capitão Gay. O personagem ficou conhecido nos anos 80 tanto como uma paródia do Superman como uma paródia ao próprio estereótipo que existia na época. Não por acaso, isso continuou frequente entre os humoristas até hoje, imitando Dinho e sua fantasia colada de Robin quando vão falar de super-heróis americanos.
Bois Don’t Cry
Cara, como eles misturam Dream Theater, Rush, The Cure, e um brega e isso ficar tão bom? A letra é uma ode à zueira eterna a figura do cara traído, tema que nunca fica fora de moda. E o sampler ficou tão icônico que foi parar em lugares tão inusitados quanto a própria música, como a Valeska Popozuda.
Isso tudo sem contar o símbolo da banda, que é só o emblema da Volkswagen ao contrário, com uma kombi no fundo que era o principal símbolo da marca automotiva. Não tem como ser mais brasileiro do que isso.
As Músicas Póstumas
Os mamonas gravaram muita coisa nos anos que antecederam seu álbum de estreia, com várias faixas ficando de fora do álbum inicial, ou só figurando em shows e álbuns póstumos lançados pela EMI. Se você ficou confuso com esta ou aquela faixa não estar no primeiro álbum da banda, estas são as que ficaram de fora.
- Não peide aqui, baby
- Onon Onon
- Desnudos em Cáncun
- Joelho
- Belchi
- Melô do Piripiri
Números pra jogar na sua cara como o Mamonas foi uma banda F@$*
Sem palavras aqui, só números.
- Cachê da banda para shows após o sucesso: R$ 70 a R$ 100 mil reais
- Faturamento da gravadora EMI com a banda: R$ 80 milhões
- Faturamento total da banda em 1995: R$ 275 milhões
- Recorde de shows realizados: 190 shows em 180 dias.
- Disco de Estreia mais vendido da história da música brasileira, e o com o número mais alto de cópias na estreia, 25 mil em 12 horas
- Disco que vendeu mais rápido em menos tempo: 3 Milhões de cópias em menos de um ano
- Tá bom ou preciso continuar dando carteiradas pelos caras?
A saudade…
Já faz uns bons anos que os Mamonas Assassinas deixaram de fazer o domingo mais interessante pra muita gente, ou seus shows. Até hoje se fala da relação estranha que seus membros tinham com aviões, e até mesmo o sonho que Sérgio teve uma noite antes do fatídico dia do acidente que levou a banda.
É curioso como isso aconteceu mais com eles do que qualquer outro artista que nos deixou nesses últimos 20 anos. Muito se deve ao fato de que a passagem deles na música alegrou e juntou muito mais gente do que você imagina, jovem mancebo.
Não é por acaso que tem uma estátua reunindo os 5 malucos de Guarulhos em sua cidade natal: a saudade que deixaram foi como a perda de um amigo próximo pra muita gente.
E suas músicas e sua irreverência meio que servem de exemplo para rirmos de nós mesmos de vez em quando, e transformar certas chateações do dia a dia numa boa piada, que no final das contas deixam os problemas realmente pequenos diante do que se tem de fazer.
Filosófico e dramático? Talvez, cara, talvez. O que importa é que os Mamonas Assassinas fizeram uma puta diferença em nossa música e história. E é isso que vamos levar pra sempre. Até a próxima!